Ainda a poesia!
O último jornal dedicou a página da cultura a António Nobre, autor de um livro Só, amado por uns, marginalizado por outros; a sua poesia chega até nós com ecos de um sofrimento atroz, plasmado nos seus longos versos e através de uma singular sensibilidade. Neste número transcreve-se uma entrevista que o poeta valter hugo mãe nos deu aquando da sua passagem pelo Cineteatro Raimundo Magalhães para apresentar o seu último livro de poesia. Por exigência da profissão e do coração, tenho andado, nos últimos tempos, agradavelmente envolvida pelos encantos e nos recantos da poesia; poderia, por essa razão, citar muitos autores que tentaram defini-la; porém e invariavelmente, cada tentativa é uma possibilidade de se tornar ainda mais esquiva. Por exemplo, Mia Couto diz que “a poesia é um modo de ler o mundo e escrever nele um outro mundo”; Eugénio de Andrade considera que “é contra a ausência do homem no homem que a palavra do poeta se insurge”; Fernando Pessoa, por sua vez, refere que “a arte (na qual inclui a poesia) consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa personalidade para especial libertação”. A sabedoria popular defende que “de poeta e louco todos temos um pouco” e os anais da história confirmam-no. Paralelamente à loucura das guerras, das traições, dos ódios que sempre acompanhou o processo de evolução da Humanidade, o homem fez nascer a poesia. Talvez tivesse despontado naturalmente do olhar de uma criança, da voz de uma mulher apaixonada, ou, quem sabe, das lágrimas de um guerreiro ao ver a sua família destruída. Sem necessidade de nos distanciarmos no tempo – e esta informação está documentada, não é fruto de veleidades como a anterior – sabe-se que já na Idade Média se atribuía à arte de poetar um papel privilegiado em qualquer aprendizagem. E temos conhecimento das cantigas de amigo, das cantigas de amor, das de escárnio e maldizer (a faceta lúdica acompanhou sempre a poesia mais séria), depois nasce Camões que homenageia o amor como ninguém, Bocage, Pessoa, Florbela Espanca, Sophia de Mello Breyner, Eugénio de Andrade … para só falar dos mais conhecidos. Ao longo dos tempos, o homem foi criando o hábito de a idolatrar, como se ela fosse pertença apenas dos escolhidos. É evidente que nem todos são capazes de elaborar um poema ou de compreender os seus artifícios ardilosos e trabalhados a cinzel como muitos poetas defendem. Porém, todos têm decerto a capacidade de a fruir, pois não há nenhum segredo nem nenhuma técnica especial. O único segredo reside na matéria que são as palavras, na capacidade de as moldar, de encontrar o seu verdadeiro lugar no verso e de lhe injetar um sentido. E depois é só olhar em redor: ela encontra-se em todas as coisas, basta abrir os olhos da sensibilidade. Ou apenas abrir os sentidos, como diria Alberto Caeiro.